Nas últimas semanas, temos assistido ao êxodo dramático para a Europa, com o objectivo de chegarem à Alemanha, de milhares de migrantes e refugiados. Homens, mulheres e crianças, famílias, fugindo da guerra e da barbárie terrorista perpetrada pelo auto-designado estado islâmico que o mundo deixou instalar nos seus territórios, sobretudo na Síria, na Líbia, no Iraque. Pelo caminho, à mercê de traficantes assassinos, atravessam desertos, morrem em magotes no mar, dão às praias mediterrânicas como Alan Kurdi, o menino curdo cuja imagem de enorme força icónica nos confrontou com as nossas falhas tornando-se no símbolo do "naufrágio da humanidade" que veio desassossegar as consciências europeias.
Hannah Arendt em As origens do totalitarismo (1951), num capítulo em que analisa o estado de isolamento e de solidão dos indivíduos enquanto pré-condição para o domínio absoluto pelo Estado totalitário, escrevia que “ [as guerras civis] desencadearam a emigração de grupos que, menos felizes, do que os seus predecessores das guerras da religião, não foram acolhidos em nenhum sítio. Tendo fugido da sua pátria, viram-se sem pátria, tendo abandonado o seu Estado, tornaram-se apátridas; tendo sido privados dos direitos que a sua humanidade lhes conferia, ficaram desprovidos de direitos”.
Os actuais migrantes que se lançam ao mar para alcançarem a Europa também fogem da guerra e da miséria, e do terrorismo e da barbárie diária que se abate sobre as suas casas e famílias, deixando para trás a sua pátria sem que saibam que outra pátria os poderá acolher. Os que conseguem chegar às margens da Europa esperam, depois, desprovidos de direitos, à beira de situações-limite, acampados em espaços anómicos em ilhas gregas ou italianas ou nas fronteiras da Macedónia e da Hungria onde se ergueram muros dissuasores, porém incapazes de suster a massa incontrolada destes "estranhos de passagem", ou na estação de Budapeste, última fronteira antes da "terra prometida" a si mesmos". E quando se põem em marcha pela estrada fora, como aconteceu na passada semana na Hungria, são olhados como assaltantes estrangeiros que vêm aí, para nos roubar empregos ou, pior ainda, com medo de que lá no meio também venham misturados terroristas islâmicos.
Hannah Arendt em As origens do totalitarismo (1951), num capítulo em que analisa o estado de isolamento e de solidão dos indivíduos enquanto pré-condição para o domínio absoluto pelo Estado totalitário, escrevia que “ [as guerras civis] desencadearam a emigração de grupos que, menos felizes, do que os seus predecessores das guerras da religião, não foram acolhidos em nenhum sítio. Tendo fugido da sua pátria, viram-se sem pátria, tendo abandonado o seu Estado, tornaram-se apátridas; tendo sido privados dos direitos que a sua humanidade lhes conferia, ficaram desprovidos de direitos”.
Os actuais migrantes que se lançam ao mar para alcançarem a Europa também fogem da guerra e da miséria, e do terrorismo e da barbárie diária que se abate sobre as suas casas e famílias, deixando para trás a sua pátria sem que saibam que outra pátria os poderá acolher. Os que conseguem chegar às margens da Europa esperam, depois, desprovidos de direitos, à beira de situações-limite, acampados em espaços anómicos em ilhas gregas ou italianas ou nas fronteiras da Macedónia e da Hungria onde se ergueram muros dissuasores, porém incapazes de suster a massa incontrolada destes "estranhos de passagem", ou na estação de Budapeste, última fronteira antes da "terra prometida" a si mesmos". E quando se põem em marcha pela estrada fora, como aconteceu na passada semana na Hungria, são olhados como assaltantes estrangeiros que vêm aí, para nos roubar empregos ou, pior ainda, com medo de que lá no meio também venham misturados terroristas islâmicos.
"Estranhos de passagem", mas pessoas como nós que tendo sobrevivendo à travessia mediterrânica têm, depois, de carregar a sua cruz às costas e de suportar, como assistimos na Hungria, o bastão e o gás lacrimogéneo da polícia e a desconfiança das populações, o racismo e a xenofobia. Acreditam, contudo, que na margem de cá do Mediterrâneo estarão pessoas generosas, mais afortunadas, que os acolherão de braços abertos, oferecendo-lhe a possibilidade de levarem uma vida decente. Passam por centros de refugiados, esperam em campos ou em estações de caminho-de-ferro a chegada de um comboio redentor, enquanto, na Alemanha, as trombetas da "terra prometida" começam a soar.
E "a terra prometida" parece ser, por estes dias, a Alemanha onde, conforme o pronunciamento da chanceler Angela Merkel, serão recebidos já não como "estranhos de passagem" mas como humanos a quem será concedido o direito de asilo. A Alemanha, então, aproveitando esta oportunidade histórica, para, assim, se redimir aos olhos do mundo, e refazer a sua demografia, tornando-se, de repente, "a terra prometida" para milhares de refugiados, na sua maioria sírios, que, diariamente, chegam à estação de Starnberger, em Munique, transformada em primeiro porto de abrigo de uma Alemanha que parece não temer estes "estranhos de passagem"
Enquanto isso, indiferentes ao desespero daqueles, a quem, finalmente, é oferecida a esperança, propagam-se nas redes sociais e nalgumas colunas de jornais ditos de referência “prosas negras tingidas de vermelho” (como, certeiramente, denunciou Rui Bebiano no seu blogue A terceira noite), declarando, cinicamente, e sem pudor, que o pronunciamento da Alemanha pelo acolhimento destas pessoas seria uma manipulação propagandista para limpar a sua imagem pública, desviando, assim, a atenção dos verdadeiros problemas da Europa e, ao mesmo tempo, enfraquecendo os movimentos sociais que, até há bem pouco tempo, os ditos prosadores acreditavam ser uma espécie de "primavera europeia" redentora.
Ao se pronunciar favorável ao acolhimento, ao “refúgio” geográfico e jurídico portanto, de quase um milhão de pessoas no seu território (e, claro, fá-lo, também, porque tem capacidade os integrar e interesse em absorver mão-de-obra barata), a Alemanha subtrai-os aos campos de refugiados, disseminados por toda a fronteira do Sul da União Europeia. Campos onde, desde há muito, foram concentrados os africanos, que vieram antes dos sírios e afegãos e iraquianos. E isso não desassossegou consciências, nem ninguém se comoveu. Também não consta que tenha gerado movimentos sociais emancipadores. Apenas tragédia em cima de tragédia. Os cadáveres nas praias de Tarifa, os condenados a morrer no deserto, não fizeram derramar lágrimas, apenas provocaram indiferença. E iniquidade europeia.
E "a terra prometida" parece ser, por estes dias, a Alemanha onde, conforme o pronunciamento da chanceler Angela Merkel, serão recebidos já não como "estranhos de passagem" mas como humanos a quem será concedido o direito de asilo. A Alemanha, então, aproveitando esta oportunidade histórica, para, assim, se redimir aos olhos do mundo, e refazer a sua demografia, tornando-se, de repente, "a terra prometida" para milhares de refugiados, na sua maioria sírios, que, diariamente, chegam à estação de Starnberger, em Munique, transformada em primeiro porto de abrigo de uma Alemanha que parece não temer estes "estranhos de passagem"
Enquanto isso, indiferentes ao desespero daqueles, a quem, finalmente, é oferecida a esperança, propagam-se nas redes sociais e nalgumas colunas de jornais ditos de referência “prosas negras tingidas de vermelho” (como, certeiramente, denunciou Rui Bebiano no seu blogue A terceira noite), declarando, cinicamente, e sem pudor, que o pronunciamento da Alemanha pelo acolhimento destas pessoas seria uma manipulação propagandista para limpar a sua imagem pública, desviando, assim, a atenção dos verdadeiros problemas da Europa e, ao mesmo tempo, enfraquecendo os movimentos sociais que, até há bem pouco tempo, os ditos prosadores acreditavam ser uma espécie de "primavera europeia" redentora.
Ao se pronunciar favorável ao acolhimento, ao “refúgio” geográfico e jurídico portanto, de quase um milhão de pessoas no seu território (e, claro, fá-lo, também, porque tem capacidade os integrar e interesse em absorver mão-de-obra barata), a Alemanha subtrai-os aos campos de refugiados, disseminados por toda a fronteira do Sul da União Europeia. Campos onde, desde há muito, foram concentrados os africanos, que vieram antes dos sírios e afegãos e iraquianos. E isso não desassossegou consciências, nem ninguém se comoveu. Também não consta que tenha gerado movimentos sociais emancipadores. Apenas tragédia em cima de tragédia. Os cadáveres nas praias de Tarifa, os condenados a morrer no deserto, não fizeram derramar lágrimas, apenas provocaram indiferença.
Claro que não será possível acolher todos os que procuram na Europa "a terra prometida". Os fluxos migratórios imparáveis multiplicarão as tragédias no Mediterrâneo e os sobreviventes continuarão a povoar os campos de "deslocados" nas margens da Europa à espera de uma "passagem" que lhes devolva a humanidade perdida. Mas muitos conseguirão passar, dando razão à ideia de Umberto Eco, expressa em recente entrevista concedida ao Expresso, de que "o que se passa no mundo não é um fenómeno de imigração, mas de migração. [...] A Europa irá mudar de cor, tal como os Estados Unidos". E serão estes "estranhos de passagem" que escolheram a nossa terra para ficar que começarão a mudar a sua cor.
Seja por generosidade seja por pragmatismo, ou por um misto de ambas as coisas, a Alemanha, foi quem primeiro compreendeu o que era necessário fazer no imediato, por muito que isso custe aos "prosadores negros tingidos de vermelho" e aos propagadores de "teorias da conspiração". Depois, amanhã, com a urgência que a história exige, logo se verá que fazer para impedir a "catástrofe de as coisas continuarem como antes" (Walter Benjamin) concertando, de uma vez por todas, as soluções para, na origem da tragédia, rasgar o manto de barbárie diária que cobre de sangue a Síria, o Iraque, a Líbia.