20 de outubro de 2009
Trapezistas do marketing
Confesso que não tenho paciência para seguir a polémica à volta do último romance de Saramago, Caim (Leya) - menos do livro do que das declarações despropositadas, simplistas e arrogantes do escritor sobre o significado histórico e o alcance ético da Bíblia.
É que, de um lado, está alguém que não se limita a escrever um livro e deixar os leitores lê-lo sem mais explicações como conviria a um escritor ciente do seu ofício, mas que insiste em reiteradamente comentá-lo com as qualidades morais, e iconoclastas, de quem se julga superior a Deus por matá-lo uma e outra vez, diria, não tanto por dilema nietschiano sobre a insuficiência divina para dar esperança ao mundo, mas talvez mais por complexo edipiano não resolvido, como ouvi ontem alguém comentar. E que, consciente ou inconsciente, quer-me parecer, vai dando voz a um golpe de propaganda editorial, concebido por «esses homens de negócios que editam livros [...], trapezistas do marketing», como diria Enrique Vila-Matas, que mais não visa do que provocar a polémica para aumentar o número de vendas. E do outro lado, chegam algumas reacções perigosas vindas da parte de um partido, o PSD, que ultimamente tem andado calado e sem opinião sobre as questões pendentes da governação, mais parecendo, portanto, um partido bartlebyano (imitando o personagem Bartleby, o escriturário, de Melville), mas que, hoje, através de um desconhecido deputado europeu opta por exortar Saramago a renunciar à nacionalidade portuguesa, porque não lhe pode lançar uma qualquer fatwa que o faça calar-se para sempre.
Por mim, exorto o escritor a limitar-se a escrever, ainda que não me tenha como leitor, e que quando instado a comentar um seu livro responda como Bartleby "preferia não o fazer". Ao deputado, exorto-o a fazer como a líder do seu partido, isto é, calar-se bartlebianamente. Ou ainda menos que isso.
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Esse infeliz membro do partido pardacento liderado pela vóvó Manuela faz-me lembrar um famigerado secretário de Estado da Cultura que impediu o autor do Evangelho segundo Jesus Cristo de se candidatar a um prémio literário em Itália. Mudam-se os tempos, reacendem-se velhas polémicas, emergem nulidades falantes. E Saramago contente porque todos falarão do seu livro mesmo que o não tenham lido. Haverá algum leitor que leia o Caim, ou haverá apenas leitores do último livro «de» Saramago? Michel Foucault e Bragança de Miranda explicam-vos a diferença em «O que é o autor?»
ResponderEliminarNa verdade haverá sempre um talibã qualquer à altura de um Saramago iconoclasta e arrogante.
ResponderEliminarEm primeiro lugar parabéns pelo blog; sempre que aqui venho fico largamente surpreendido pela positiva-- porém,
ResponderEliminarquando aqui cheguei pela primeira vez, espantei-me por não o conseguir adicionar por RSS ao Google Reader, e tentei fazer-me lembrar de o visitar manualmente. Esqueci-me. Só agora mais tarde é que aqui volto, e continua a não detectar. Não quero transformar isto em gabinete técnico, apenas esclarecer mas o problema é do meu lado ou será que o RSS etá propositadamente 'desactivado' (se é que isso é possível)?
o país quer é estas coisinhas.
ResponderEliminar:)
T.
Esse último parágrafo diz tudo. Mas não vende tanto, diga-se.
ResponderEliminar«Confesso que não tenho paciência para seguir a polémica à volta do último romance de Saramago, Caim (Leya)»
ResponderEliminar...seguem-se qualquer coisa como mais 31 linhas, sem espaços.
Caro Miguel Monteiro, para além de ser um leitor sem qualidades, também sou um blogger sem atributos técnicos. Vou indagar sobre essa coisa do RSS.
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