Uma das patologias que se manifestam nos governos em vias de se despenharem num qualquer precipício eleitoral é o discurso reiterado da estupidez. E o que é a estupidez, então? Asneira, disparate, parvoíce, entre outros, constituem alguns sinónimos a aplicar conforme as circunstâncias, o que mostra que a estupidez não se deixa apreender facilmente, que as suas metamorfoses fazem dela algo a que ninguém está seguro de escapar. Flaubert, Proust, Gombrowicz, Musil ou Thomas Bernhard, todos eles escritores que integram a minha biblioteca de quarto escuro, encontraram na ironia ou no humor - leio num número pretérito do Magazine Littéraire dedicado, precisamente, à bêtise - a forma mais adequada para a denúncia dos avanços dissimulados da bêtise, sem garantias, contudo, de conseguirem escapar-lhe. Até porque, às vezes, aquela revela-se, como observa Clément Rosset, em «segundo grau», isto é, aparentemente reflexiva e apanágio de homens com qualidades.
«A bêtise – escreve Clément Rosset, em Le réel et son double, Minuit, 1997 - é de natureza intervencionista: ela não procura decifrar, mas sim emitir repetidamente. Ela fala, fala, ela não pára nunca de acrescentar». Repetitivo e irredutível, fechado sobre si mesmo, o discurso da estupidez é opaco mas obstinado. Diz-se determinado, mas é, sobretudo, obsessivo. Manifestações do discurso da estupidez em «segundo grau», disfarçadas num discurso aparentemente reflexivo, mas afirmativo e, ao mesmo tempo, insensível à argumentação dos outros, na tentativa de controlar o espaço saturado das escolas, temo-las visto em abundância sempre que a ministra da Educação ou os seus secretários de Estado falam, falam, e não param de acrescentar ao seu discurso sobre a avaliação dos professores. Há dias,à pergunta de uma jornalista sobre o que fará se houver novas manifestações de professores pelo facto de não ser suspenso o «modelo simplex de avaliação», a ministra da Educação, sem reflectir, em primeiro grau, portanto, respondeu: «Haverá, haverá».
Assim, indiferentes ao torvelinho provocado pelo seu próprio discurso autista, vão estes sujeitos mais ou menos reflexivos, repetitivos e irredutíveis, empurrando o governo para o abismo, sem querer saber o que haverá do outro lado. Incapazes de controlar o seu discurso enquistado, porque isso seria contrário à própria natureza da estupidez, no seu estertor vão estes governantes imitando o idiota de Rilke na «Canção do Idiota» : «Não me incomodam. Deixam-me ir. / Dizem que não pode acontecer nada. /Ainda bem. / Não pode acontecer nada. Tudo chega e gira / sempre em torno do Espírito Santo, /em torno de determinado espírito (tu sabes) — / que bem» [Rainer Maria Rilke, in O Livro das Imagens, Relógio d´Água].
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