Seguindo o exemplo do povo tunisino, um milhão de egípcios manifestou-se, hoje, na praça Al Tahrir, situada no centro do Cairo, gritando por liberdade, e exigindo a demissão de Mubarak, numa impressionante demonstração de força jamais vista na capital egípcia. A revolta iniciada há oito dias por jovens activistas que utilizaram as redes sociais Facebook e Twitter como plataformas de mobilização e nas ruas ignoraram o medo enfrentando os gazes lacrimogéneos, as bastonadas, as balas e a prisão, transformou-se, hoje, numa insurreição que parece, agora, imparável. Na origem desta rebelião encontra-se o mal-estar provocado pela probreza extrema de crescentes extractos populacionais, a corrupção e a repressão, a que veio somar-se o exemplo da revolução tunisina, numa mistura explosiva que incendeia os protestos que visam pôr um fim a três décadas de ditadura de Hosni Mubarak e que tiveram como rastilho várias imolações pelo fogo como forma dramática de protesto tal como já sucedera em Tunis.
Ajudará à compreensão destes acontecimentos, a leitura do romance O edifício Yacobián, do escritor egípcio Alaa al Aswany que denuncia sem subterfúgios a corrupção a decadência moral, a repressão policial, a miséria, a decadência moral e o fanatismo e a hipocrisia religiosa. Através das vidas de uma série de personagens que residem num edifício no centro do Cairo - cujo nome dá título ao livro -, uns em cómodos apartamentos burgueses e outros em exíguas divisões nas águas-furtadas, Al Aswany disseca o Egipto moderno e denuncia os seus males endémicos.
É contra este estado de coisas que uma extraordinária maré humana invadiu, hoje, a praça Al Tahrir, no Cairo, transformada num microcosmos de uma cidade de 20 milhões de habitantes e de um país de 80 milhões de habitantes exigindo não apenas a saída do farónico presidente Mubarak mas, também, uma mudança de regime capaz de assegurar melhor justiça social e liberdades cívicas e políticas. O objectivo da gigantesca manifestação de hoje não foi, por ora, atingido, pois numa alocução dirigida, já esta noite, ao país, Mubarak afirmou que não se demitiria, admitindo, contudo que não voltaria a candidatar-se. Permanece, assim, o impasse relativamente ao futuro do Egipto que vai oscilando entre a esperança de democratização que poderá ser liderada pelo prémio Nobel El Baradei regressado do exílio, a confessionalização do descontentamento pelos Irmãos Muçulmanos conduzindo, por via eleitoral, a um regime islâmico, a instituição de um regime militar com novos protagonistas e a improvável manutenção da ditadura de Mubarak.
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