Port Bou 1940. Em 25 de Setembro, após sete anos de exílio, Walter Benjamin atravessa os Pirenéus num esforço desesperado para escapar à ocupação da França pelos nazis. Pretende atravessar clandestinamente a fronteira e, através da Espanha franquista, chegar a Lisboa - por onde passaram também outros artistas e intelectuais em fuga, como Franz Werfel, Heirich Mann ou Alma Mahler -, com um visto para os Estados Unidos no bolso. Porém, uma trágica combinação de circunstâncias, entre as quais a conversão simbólica dos Pirinéus em muralha cultural e política, impede a sua entrada em Espanha. Benjamin vê-se, então, obrigado a pernoitar numa pensão de Port Bou, sob apertada vigilância de três polícias que têm ordens para deportá-lo para França na manhã seguinte. Nessa mesma noite, Benjamin inicia uma agonia que o levará à morte vinte e quatro horas mais tarde. A tese oficial é a de que se tratou de suicídio com uma overdose de morfina. Mas o relatório médico refere o caso como morte natural. O que terá acontecido realmente? Quién mató a Walter Benjamin? é um título de um documentário do realizador argentino David Mauas que passou na Culturgest em Fevereiro. A minha condição periférica não me permitiu na altura ver o filme. Tão pouco assistir ao debate que se seguiu, moderado por João Barrento, entre o realizador e o compositor José Júlio Lopes, cuja ópera W, com libretto sobre a morte de Benjamin, estreará, em Dezembro, na Culturgest. Essa não a irei perder.
Mas, há dias, numa livraria de Portimão, encontrei um livro que narra as últimas horas do escritor e filósofo. Sobre O Passageiro Walter Benjamin, de Ricardo Gaviria, escreve Enrique Vila-Matas, na contra-capa, que se trata de uma subtil e mui elegante recriação das últimas horas que precederam a morte do escritor... Cada vez gosto mais dos bons romances e menos de palavreado. Vou a meio do romance, que sem pretender ultrapassar a biografia- o que seria muito pouco benjaminiano -, e convocando factos verídicos e outros recriados com afectação literária, faz-me entrar na derradeira morada de Benjamin, onde me vou embrenhando nos caminhos afectivos e intelectuais do escritor que, apesar das sombras que descem sobre o seu quarto de hotel, permanece lúcido na desgraça final. Benjamin viveu só e morreu só, sempre como um estrangeiro, mas quero acreditar que nesse último momento trágico viu, ainda, a luz da saudade que iluminou a sua vida, porque a paixão de estar despojado de tudo, a paixão da solidão que sempre o acompanhou e procurou na última morada, terá iluminado o instante em que soltou um suspiro de alívio e fechou pacificamente os olhos atrás dos seus grossos óculos de míope.
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