7 de maio de 2007

Doutor Pasavento (II)



À medida que avanço na leitura de Doutor Pasavento, pergunto-me em qual Pasavento encarnou o escritor que ao longo do texto parece metamorfosear-se em vários Pasaventos? Trata-se de um processo narrativo que evoca a construção heteronímica de Pessoa, também ele um desaparecido de si próprio que reaparece, depois, nas suas máscaras. Também, aqui, portanto, a intertextualidade com a poética da extinção.

Tal como Pessoa, também o narrador-autor do Doutor Pasavento se desdobra em várias personalidades, vários lugares – Madrid, Sevilha, Nápoles…, para regressar sempre (?) à enigmática rua Vaneau, em Paris, onde se cruza com outro escritor português, António Lobo Antunes, sem nunca, contudo, trocar a sua profissão de psiquiatra e vago escritor, mas inventando-lhes outras genealogias. Neste projecto de desaparecimento, enquanto o escritor ortónimo se desvanece, outros Pasaventos emergem  projectando as múltiplas personalidades de Vila-Matas (ele próprio o confirma na entrevista publicada, ontem, no Notícias Magazine), sejam autobiográficas sejam ficcionais, reconstruídas, isto é, afectadas pelo seu labor literário.

Esta afectação ficcional, mesmo que confundida com a realidade, evoca-me, então, uma outra figura pessoana, a do fingimento, o que me conduz a outra pergunta: será que este eclipse vilamatiano não é mais do que um fingimento, para que o autor possa fechar a sua trilogia metaliterária onde reflecte sobre os mecanismos da criação literária  (O Mal de MontanoBartebly e Companhia, publicados, também, pela Teorema). Não esteve, também, o próprio Vila-Matas quase a desaparecer por motivo de doença - o que levaria ao extremo a sua identificação enquanto autor com as suas personagens, vítimas do síndroma de Bartebly -, para renascer, diferente, noutro Vila-Matas herdeiro do Doutor Pasavento, como o próprio confessa na entrevista atrás referida?

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