4 de setembro de 2007

À beira do abismo


"O que escreves?", perguntaram-lhe há um ano. Depois do Doctor Pasavento, vivia numa permanente sensação de caminho enclausurado, pois sentia que havia chegado ao final de um certo percurso e que diante mim se abria um abismo. "Escrevo o título de um livro", respondeu. O título era Exploradores do Abismo. Nos dias que se seguiram, começaram a surgir uma série de relatos relacionados com o que sugeria esse título. 

O livro inteiro é a exploração desse abismo. E, como o mesmo título indica, ocupa-se de histórias protagonizadas por seres à beira do precipício, seres que se entretêm com essa fronteira, estudando-a, investigando-a, analisando-a. Os exploradores são, obviamente, uma metáfora da condição humana. São optimistas e as suas histórias, no geral, são as das "pessoas comuns que, ao ver-se à beira do precipício, adoptam o estatuto de expedicionário e sondam no plausível horizonte, indagando o que pode haver fora daqui, ou no mais além dos nossos limites". Caídos na imanência, entregues ao mundo sem remissão, é aí, contudo, que terão de encontrar as novas forças para explorar abismos e retraçar a realidade naquelas zonas obscuras onde a ficção não entra. Este o propósito denunciado por Enrique Vila-Matas que parece querer assim suspender, pelo menos por agora, a temática metaliterária (Bartleby, Montano e Pasavento), e obsessiva, dos seus últimos livros, para concentrar-se em torno de assuntos mundanos. 

Exploradores del abismo [Anagrama]o seu «livro más vilamatiano, justamente porque no está a la sombra de nadie» - como disse o próprio Vila-Matas -, sai esta semana em Espanha, assinalando o regresso do autor ao conto, género breve dos seus primeiros livros. Trata-se de uma travessia fragmentária através dos territórios de um quotidiano vazio habitado por personagens aparentemente derrotadas da vida mas que as circunstâncias transformam em solitários expedicionários à procura da fórmula para exconjurar a realidade. Regressados da verdadeira vida que é a ficção precipitam-se no abismo que é, muitas vezes, a realidade. Daí a atracção kafkiana pelo abismo experimentada por seres que, vivendo na mais absoluta rotina quotidiana, são inesperadamente obsequiados com epifanias que os transformam em expedicionários de mundos, de vivências nunca experimentadas. 

"Fuera de aquí, tal es mi meta", eis a radical auto-consciência que alimenta o propósito vertiginoso deste livro, talvez o único movimento possível para quem explora os abismos da vida através de uma «escrita hóstil e mesquinha com a exuberância», como a classificou o crítico mexicano Álvaro Enrigue, mas cedendo a uma certa lógica surrealista convocada agora sob os auspícios do seu admirado Raymond Roussel, como confessou Vila-Matas em entrevista recente.

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