Intrometo-me no book crossing que anda por aí e atrevo-me a propor alguns livros para serem postos a girar, este Verão, numa Roda da Leitura como a que a imagem acima reproduz [cf. Agostino Ramelli: projecto para uma roda de leitura. Paris, 1588]. Basta colocá-los na roda, carregar no pedal e, depois, ir lendo ou relendo os cinco livros que aqui recomendo contra a rasura das novidades. Cinco livros que fazem uma pequena biblioteca giratória, intensiva e transportável, escolhida para levar para férias, com o mar do sul ao fundo, procurando novos caminhos bifurcados em páginas talvez já lidas mas sempre à espera de serem de novo abertas, manipuladas, perseguidas por gente que acredita que nelas se espelham mundos. Que cumplicidades tecem, então, estes livros entre si? Desde logo, o facto de partilharem, na minha biblioteca pessoal, a mesma prateleira. E também a circunstância dos seus autores pertencerem a uma certa geografia, a da Mitteleurope que mais do que uma condição espacial corresponde, sobretudo, a uma certa ideia de literatura. Depois, porque são autores que ocultam a sua biografia para melhor poderem afirmar a sua obra. E, ainda, porque todos habitaram de uma forma ou de outra «as regiões do destino onde reina a solidão».
Finalmente, porque talvez encaixem na categoria de livros a que Robert Walser se referia quando escreveu n´O Salteador (Relógio d´Água, 2003): «Às pessoas saudáveis faço o seguinte apelo: não teimem em ler apenas esses livros saudáveis, travem um conhecimento mais estreito, também, com a literatura dita doentia, que vos transmitirá, decerto, uma cultura edificante. As pessoas saudáveis deviam sempre expor-se um pouco ao perigo. Senão, com mil raios, para que serve ser saudável?»
Talvez a vida destes escritores tenha sido «doentia», mas não os seus livros que parecem substituir a vida que não tiveram por uma espécie de duplicação do mundo. E não será, afinal, esta a vocação de toda a literatura?
1. Robert Musil, As perturbações do Jovem Törless [1906] (Dom Quixote, 2006), uma quase autobiografia da juventude do autor, uma espécie de Werther pessoal e uma «necrologia profética»;
2. Robert Walser, Jacob von Gunten [1909] (Assírio e Alvim, 2005), o extravagante escritor suíço que escrevia lápis para melhor poder ausentar-se;
3. Kafka, O desaparecido [1927] (Relógio d´Água, 2004), onde se persegue o sonho de um emigrante preso numa engrenagem donde cada vez mais é impossível escapar;
4. Bruno Schulz, As Lojas de Canela [1933] (Assírio e Alvim, 1987), cujos contos transfiguram a pequena cidade de Drohobycz numa espécie de Macondo polaca onde se respira o ardor intenso da fantasia e das metamorfoses contra a colmeia de nevroses e de loucura onde o autor se encontra encerrado;
5. Joseph Roth, A Lenda do Santo Bebedor [1939] (Assírio e Alvim, 1997), outro polaco, da Galitzia, que aqui narra a vida e a «morte suave e bela» do seu Santo Bebedor, tão contrária à sua própria morte.
[Deixo o desafio a todos os que por aqui passarem para pôrem a andar nos comentários a sua Roda de Leitura]
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