5 de julho de 2007

Infatigável vagabundagem em Amã


A multidão humana que deambula ao ritmo estival pelos passeios intransitáveis da chamada Down Town, em Amman, parece acomodar-se pacificamente à degradação envolvente, exibida nas fachadas sujas dos edifícios, no amontoado de antenas parabólicas crescendo nos terraços, nas roupas pobres a secar nas varandas, na correria caótica do tráfego. Da varanda do Al Rasheed Court Café, enquanto fumo um darguillé como, aliás, o fazem quase todos os restantes clientes, dedico-me a observar, não sem algum cinismo de ocidental, uma chuma de gente carreando uma variedade de personagens que estoicamente desafiam um sol incandescente que se abate sobre o começo da tarde. Parece não haver ali naquela corrente humana que desce a rua Ali Bin Taleb qualquer espécie de ociosidade, antes a obstinação em chegar rapidamente a um destino mesmo que este se revele estéril. Desço, e como um passeante estóico sob um sol em fusão, faço-me à rua em direcção ao souk Al-Balad. Na minha vagabundagem infatigável, alheio à deterioração irreversível e à vetustez das habitações que mais parecem abrigos precários,  atravesso ruas secundárias deixadas ao abandono pelos serviços de conservação e limpeza criando um cenário de um pitoresco desastroso, e cruzo-me com iraquianos refugiados, emigrantes egípcios, palestinianos e população autóctone, numa ambiência perturbada pela avalanche de automóveis, táxis amarelos e pequenos autocarros completamente cheios, que um polícia de trânsito tenta, com dificuldade, controlar. Passo junto à grande Mesquita de Hussein, onde a voz dos pregadores difundida pelos altifalantes, como um rumor vindo do além, se confunde com as vozes dos vendedores de café e de sumos que atravessam a rua em passos suicidários fintando o trânsito, e com as vozes dos vendedores que se misturam entre as bancadas de azeitonas, especiarias, beringelas, cerejas, magníficos vestidos beduínos, lenços, panos de seda, objectos e artefactos utilitários e outras bagatelas de toda a espécie. Apesar do aparente caos reinante caminha-se por aqui em segurança sob o olhar condescendente e os gestos cordiais da população. Finalmente atingido pelo sol insuportável do meio da tarde, partilho um taxi com um refugiado iraquiano e regresso à outra Amman, ordenada, limpa, endinheirada, onde se encontra o meu hotel.

P.S. Para que conste, regressei ontem Portugal, após a tentada e conseguida escapadela de Amã a Damasco.

Sem comentários:

Enviar um comentário