27 de outubro de 2009
As coisas aqui em baixo
Revisito a entrevista que António Lobo Antunes concedeu, há dias, na RTP1, a Judite de Sousa, a pretexto do seu novo romance Que Cavalos São Aqueles que Fazem Sombra no Mar, onde escava as misérias da condição humana e ouço um homem terno, embora com afectação literária, a falar com absoluto respeito do pequeno mundo dos outros à sua volta. E à medida que vou escutando a sua voz rumorosa, vejo passar, vagarosas, diante de mim, aquelas presenças reais, às vezes estranhos de passagem, outras vezes «bolhas de solidão” que existem entre ele e as palavras, para derivar, depois, numa escrita assustadoramente lúcida e emocional que nos puxa para o abismo do nosso inconsciente colectivo de portugueses e de onde, só muito a custo, regressamos, depois, à superfície das nossas biografias tão cheias das qualidades que nos são diariamente incitadas.
Eis o que espero encontrar neste romance polifónico de António Lobo Antunes - cujo título de um profundo lirismo antagoniza com o universo sórdido da realidade humana que as primeiras páginas antecipam -, deixando-me levar na corrente caudalosa da sua escrita caleidoscópica, profundamente irónica e sarcástica, mas carregada de lirismo e de melancolia.
Um romance feito da matéria mais simples para contar as coisas aqui em baixo, porque, como confessa António Lobo Antunes «nós somos como casas cheias de fantasmas, uns fantasmas pequeninos. Muitas vezes, quando começo a ouvir as vozes de escrever, ouço várias vozes ao mesmo tempo e aquela que me vai dar o livro nunca é a voz mais forte, mais intensa. São outras que estão escondidas por trás.”
[foto ao alto, de José Sena Goulão]
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