350 ppm é o indíce de concentração que os principais cientistas dizem ser o limiar seguro para dióxido de carbono na nossa atmosfera, para evitar as trágicas consequências das alterações climáticas. Hoje, quando faltam menos de 50 dias para a Conferência de Copenhaga sobre alterações climáticas, milhares de pessoas, em 144 lugares emblemáticos do mundo, assinalaram o Dia Internacional da Acção Climática, manifestando-se contra os dias calcinados que podem vir aí se não se parar já a deriva ambiental. E nós, o que é que podemos fazer? Agir como fizeram, hoje, em todo o mundo, aqueles que podemos ver aqui]. Talvez, também, escrever, nem que seja um post como este que recupero de um meu blogue pretérito e que agora aqui deixo actualizado.
Durante o Verão, surgiu uma tromba de fogo no crepúsculo do Árctico, sobre o mar de Barens, derramando sobre as nuvens baixas que encobriam o céu de Hammerfest uma luminosidade laranja espectral, anunciando a extensão à cena árctica da nova versão patética da tetralogia de Wagner, agora reposta sob a forma da maldição do gás adormecido durante milhões de anos sob as calotes de gelo em fusão. O que sobrará para o mundo quando se apagar a última réstia do fogo que concorre agora com as auroras boreais ninguém ainda sabe. Ou talvez saibam apenas os visionários.
«Mas quanto mais me aproximava das ruínas, mais se afastava a imagem de uma secreta ilha dos mortos e mais me julgava no meio dos vestígios da nossa própria civilização aniquilada por uma catástrofe futura», escreveu W. G. Sebald em Os Anéis de Saturno [Teorema, 2006], descrente da capacidade da razão para dominar a natureza enlouquecida pelos homens. E nós, que ainda não caminhamos entre ruínas,vamos vivendo com os primeiros efeitos das alterações climáticas provocadas pelo aumento das emissões de gazes com efeito de estufa: temperaturas em alta, concentrações de dióxido de carbono a subir, degelo das calotes polares, subida dos oceanos, chuvas torrenciais, secas mortíferas, o rol que afinal já todos conhecemos, sem que isso, no entanto, produza uma reacção global à altura da tragédia eminente.
Por isso, talvez reconhecer nas palavras de Sebald uma espécie de lucidez trágica relativamente ao devir do mundo, caso não sejam tomadas medidas que reconduzam o rio turvo da destruição ambiental às suas margens, impondo urgentemente a redução das emissões poluentes que afectam o aquecimento global. Mas estarão os governantes do mundo motivados para isso? Ou, pelo contrário, indiferentes ao roçar o abismo, falharão a derradeira ocasião de salvar o planeta, deixando as «coisas continuarem como antes» [Walter Benjamin, Passagens, frag. N9a, 1], isto é, resvalando para a «catástrofe futura». Haverá aqui uma visão demasiado catastrofista? Para Ban Ki-moon, Secretário-Geral das Nações Unidas, nem tanto: «O aquecimento global é uma realidade e, se não intervirmos, as suas consequências poderão ser devastadoras, senão catastróficas, nas próximas décadas [...] peço aos dirigentes mundiais que exerçam a sua liderança. Que ajam. [Já] não podemos fazer como se nada se passasse à nossa volta».
Como abrandar, então, esta imensa fornalha vertical cheia de brasas que ameaça transformar a paisagem do mundo num campo de sedimentos intransponíveis, rios pedregosos, árvores calcinadas, despojos de máquinas destruídas, espirais fantasmagóricas de poeira, cidades costeiras alagadas, almas à deriva sob um céu acinzentado? Seguramente não ficar acocorado a um canto à espera da combustão final como prisioneiros numa casa em chamas. Talvez falar. Talvez escrever, porque só as palavras poderão ainda evitar a catástrofe de falhar a ocasião de abrandar o braseiro. Agir.
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