«Mas quanto mais me aproximava das ruínas, mais se afastava a imagem de uma secreta ilha dos mortos e mais me julgava no meio dos vestígios da nossa própria civilização aniquilada por uma catástrofe futura», escreveu W. G. Sebald em Os Anéis de Saturno [Teorema, 2006], descrente da capacidade da razão para dominar a natureza enlouquecida pelos homens.
Há nestas palavras de Sebald uma espécie de premonição trágica, apocalíptica, relativamente ao devir do mundo, caso não sejam tomadas medidas que reconduzam o rio turvo da destruição ambiental às suas antigas margens. Como abrandar, então, a imensa fornalha vertical cheia de brasas que ameaça transformar a paisagem do mundo num campo de sedimentos intransponíveis, rios pedregosos, árvores calcinadas, despojos de máquinas destruídas, espirais fantasmagóricas de poeira, cidades costeiras alagadas, almas à deriva sob um céu acinzentado?
Este tom apocalíptico encontramo-lo, hoje, não apenas na literatura, mas no discurso de divulgação científica sobre o aquecimento global, como se a realidade tivesse já ultrapassado a ficção. Em A nossa escolha - Um plano para resolver a crise climática (Esfera do Caos, 2009) Al Gore dramatiza ao extremo a situação, afirmando que temos de «evitar a catástrofe inimaginável que se abaterá sobre o planeta se não começarmos a fazer mudanças drásticas rapidamente». E profetiza que «o futuro da civilização será determinado para sempre por aquilo que fizermos agora». Não sei se haverá aqui uma espécie lucidez sebaldiana sobre a situação-limite para onde avançamos ou se esta dramatização discursiva sobre um mundo à beira da catástrofe - a que o filósofo alemão Karl Löwith chamou de «modo de pensar por catástrofes» - não terá uma raiz contraditoriamente conservadora, e cíclica, cujo pessimismo mais do que provocar a vontade colectiva de uma alternativa ambiental sustentável, antes nos deixa amarrados perante a verdadeira catástrofe que pode ser a das «coisas continuarem como antes» [Walter Benjamin, Passagens, frag. N9a, 1].
A questão, hoje, será a de saber se o discurso apocalíptico sobre as alterações climáticas - descontando a suicidária corrente negacionista sobre a gravidade do aquecimento climático - não corresponderá ao mal moderno que Ulrich, a personagem criada por Robert Musil em O homem sem qualidades, compreendeu com dramática lucidez: o mal de, apesar do estrondosos avanços da técnica, ou por causa dela, sermos agora incapazes de controlar o «sistema» que a integra, através da ética, por exemplo, procurando a resposta contra o absolutismo da realidade.
O que se pede, então, à Cimeira de Copenhaga que, hoje, começou, é uma vontade colectiva de não falhar a ocasião das coisas não continuarem como antes, opondo à tese conservadora de Heidegger de que «só um Deus nos pode salvar», o verso de Hölderlin que diz que «onde está o perigo está o que salva».
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