Seguramente, se fosse vivo, voltaria a pronunciar a mesma frase que pintara num muro decrépito da capital guatemalteca, num dia chuvoso de 1944, momentos antes de atravessar o umbral da embaixada mexicana onde obteria asilo político: «Não me situo» [em castelhano, ubico, trocadilho com o nome do antigo ditador guatemalteco Jorge Ubico]. Este, talvez, também, o micro-conto mais lendário de Augusto Monterroso (1921-2003), escritor de veia cervantina e surrealista que nasceu em Tegucigalpa, nas Honduras, viveu na Guatemala e morreria exilado no México, onde escreveria a sua obra vagarosa. Antes, porém, de ter escrito, sem pressas, essa obra, publicaria Obras completas (y otros cuentos), o seu primeiro livro que, para cúmulo, começava pelo fim, já que Obras completas era o nome do último conto, que não das obras completas do autor que, como uma ovelha negra, renegaria ao rebanho do realismo mágico latino-americano, tal como Rulfo ou Borges.
Que pintaria Monterroso, por estes dias, num qualquer muro decrépito da capital hondurenha, se obrigado a escolher entre o resultado das ambíguas eleições de domingo passado que vão dividindo a comunidade de países ibero-americanos e a deriva populista - na senda de Chávez - do deposto, e exilado, presidente Manuel Zelaya, que reapareceu "materializado" na Embaixada do Brasil, em Tugucigalpa, graças a um conluio logístico-diplomático entre Chávez e Lula? Seguramente: «não me situo».
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