Quanto pesariam os livros de bolso de Enrique Vila-Matas que trouxe na minha bagagem de cabine no voo low cost de Barcelona para Sevilha? Seguramente, embora contundentes, pesariam pouco, senão não os poderia ter trazido comigo e começado a lê-los no avião, o que ajuda sempre em qualquer voo, já que livros e turbinas são - como diria o escritor argentino Rodrigo Fresán, autor de "La velocidad de cosas" e, talvez por isso, também ele, um viajante-leitor - máquinas locomotoras.
Livre de taxas de peso adicional, subi, primeiro, à máquina voadora e, só depois, aos três livros De Bolsillo da biblioteca portátil vilamatiana que a Mandadori decidiu começar a publicar, a saber: "En un lugar solitário. Narrativa 1973-1984", "Chet Baker piensa en su arte" e "Una vida absolutamente maravillosa". "Dublinesca", também publicado nesta colecção, não o trouxe, não por medo de excesso de peso, mas porque já o tinha subido noutra viagem. Sempre que subo a aviões, subo também a livros, como já em posts anteriores se ficou a saber. Assim como me confio à perícia dos pilotos que vão traçando linhas nos céus, também me confio à perícia daqueles que traçam linhas nas páginas subidas na cabine.
E num destes livros, traça V-M que tinha o secreto desejo de se tornar realizador de cinema e que, na época, viveu a experiência do serviço militar obrigatório como um calvário. «Daquele já muito remoto ano de 1971, que passei em Mellila como soldado do Exército espanhol, recordo muito particularmente os 20 dias que estive internado no manicómio militar dessa fortaleza». Assim começa o pesado prólogo de En un lugar solitário. Narrativa 1973-1984, escrito por V-M para o volume que reúne os seus cinco primeiros livros. Neste extenso prólogo, V-M confessa como, a pouco e pouco, subiu, ele próprio, para a literatura: «Conto como entrei na literatura, as minhas debilidades iniciais quando comecei a escrever. Primeiro, como leitor de poesia, comecei, depois, a escrever quase por casualidade, e entrei, sem saber como, nesta aventura».
O texto En un lugar solitário, que dá o nome à antologia, foi o primeiro livro publicado por V-M, na ocasião, com o título Mujer en el espejo contemplando el paisaje. Al sur de los párpados foi o terceiro, tendo o autor evitado reeditá-lo até agora. "Sempre tive alguns preconceitos contra estes dois livros. Contudo, ao relê-los 30 anos depois, reconheço-me neles. Ambos contém coisas boas e más, mas fazem sentido no conjunto dos textos reunidos. Não quis adicionar nem eliminar nada para não diminuir o seu valor documental" numa antologia que integra, ainda, La asesina ilustrada, Nunca voy al cine e Impostura. "Suprimir um ou outro título da minha obra dos primeiros anos deixá-la-ia coxa".
En Chet Baker piensa en su arte, V-M institui algo que ele próprio classifica como "ficção crítica", processo que utiliza para reflectir sobre a obra de Joyce e de Simenon: "um crítico literário, encerrado durante uma noite noite num hotel de Turim, procura o traço de união entre a literatura radical encarnada pelo último Joyce e a literatura tradicional de qualidade representada por Simenon; persegue o livro que uniria idealmente os leitores de contos minoritários e exigentes com aqueles que preferem histórias mais comerciais".
Dos livros subidos a bordo nesta viagem de regresso a casa, depois de uma estada na cidade nervosa de V-M, Una vida absolutamente maravillosa, que me decidi começar a ler no avião por ser o mais locomotor, é, de entre todos, o mais vilamatiano, aquele em que V-M é, ao mesmo tempo, um ensaísta que narra e um contista que ensaia. Continuo a ler a suas mais de quinhentas páginas nestas noites volúveis, tão maravillado como na primeira vez que li El viajero más lento, El traje de los domingos, Desde la ciudad nerviosa y El viento ligero de Parma. E leituras maravillosas, o segundo livro de Diario voluble e Para acabar con los números redondos que integram o volume. Assim como os retratos de momento de autores que integram a sua, e a minha, biblioteca de quarto escuro: Walser, Joyce, Gombrowicz, Céline, Roussel, Kafka, Schulz, entre outros bartlebianos & shandianos.
E vocês, que esperam para meter no bolso esta ligera, mas contundente, biblioteca portátil vilamatiana? Subir a um avião ou esperar pela tradução?
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