9 de agosto de 2007

No Bairro portátil do senhor Tavares (II): contra a filosofia


As historietas protagonizadas pelos inquilinos do Bairro parecem apropriadas para crianças. E são. Para as crianças que ocultamos em nós. Mas são mais do que isso se acreditarmos, como Paul Valéry, que o «infinito é bem pouca coisa; é uma questão de escrita [e que] o universo só existe no papel». Em O Senhor Valéry [Gonçalo M. Tavares, Caminho, 2002], talvez seja possível descortinar uma genealogia de escritores e filósofos lidos pelo Valéry homónimo. Talvez Diderot. Seguramente Wittgenstein (que virá ainda, segundo desvenda o autor, habitar o bairro) também lido pelo nosso Bernardo Soares de quem se aproxima através da «estética do movimento». E, no outro lado do espelho, isto é, colorindo as entrelinhas do texto, o mundo fantasioso de Lewis Carrol (também, consta, com contrato-promessa já assinado para vir morar no bairro). Ao mesmo tempo convoca o cinegrafismo de Buster Keaton e a esperteza saloia de Jacques Tati. E, claro, retraça Paul Valéry ele-mesmo que se interrogava: «como não arredondar, colorir, procurar tornar [tudo] mais nítido, mais perturbador, mais íntimo? [...] Em literatura o verdadeiro não é concebível». Não é isso que também persegue o Senhor Valéry?

Em comum, estes senhores, duais na aparência e volúveis nos comportamentos, que vão sendo reagrupados no Bairro por Gonçalo M. Tavares, nutrem todos uma certa desconfiança pela filosofia e praticam a exaltação das expressões literárias expeditas. O que me faz pensar existir aqui uma conjura portátil vagamente shandiana.

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