14 de julho de 2015

Autofagia europeia



Que mais poderia eu dizer aqui que não tenha já sido dito, ontem e hoje, e antes, por quem tem autoridade para o dizer, como os "nobel" Paul Krugmann ou Joseph Stiglitz e tantos outros, de lá de fora, e de cá de centro, e comentadores também, uns mais à esquerda e outros mais à direita, e outros nem por isso - se é que estes conceitos, ainda, fazem algum sentido, ou independentemente do conceito que cada um de nós lhes queiramos atribuir -, sobre o acordo humilhante para os gregos, sejam quais forem as suas culpas, que as têm, também, e muitas, e, por isso, muito terão a corrigir. Dizer, talvez, como escreveu Krugmann, ontem, no New York Times, que o que aconteceu neste fim-de-semana foi "o fim do projecto europeu" ou como disse, mais dramaticamente, Miguel Sousa Tavares, há instantes na sic, que foi erguida uma nova "cortina de ferro" entre o Norte rico dos credores e o Sul empobrecido dos devedores à conta de governos que se governaram a si próprios com o beneplácito dos tais credores! Ou ainda, citar Markus Walker que escreveu no Wall Street Journal que o comunicado do Eurogrupo difundido ainda do final da cimeira "ficará na história como uma das mais brutais démarches diplomáticas na vida da União Europeia". Crime e Castigo, como no romance de Dostoievski, só que nesta tragédia, os criminosos - que os há dos dois lados da "cortina" - (e não, não me refiro a Tsipras ou Varoufakis que foram, apenas, românticos esquerdistas, ingénuos, ou mesmo irresponsáveis, sobretudo por não terem preparado um plano b, mas sim aos outros que antes deles, as clientelas do pasok e da nova democracia, se foram, obscenamente, banqueteando com os fundos europeus com a cumplicidade daqueles que, agora, sob o alto patrocínio francês, impõem o Diktat alemão ao povo grego e que são, também, e muito, co-responsáveis pela catástrofe grega e pelo fim do projecto europeu) -, saem impunes e os inocentes não merecem tamanho castigo. Mas isto digo eu, parafraseando Fernando Pessoa, que não sei nada de finanças. 

Diria tudo isso e muito mais, tivesse eu engenho e arte para o dizer! Mas como não tenho, limito-me a dizer a minha tristeza por ver a Europa, a Europa renascida das cinzas de duas guerras, em cujo projecto acalentámos sonhos de democracia, prosperidade e solidariedade, caminhar à beira do precipício onde, por falta de gente competente e, sobretudo, por falta de gente com decência que a saiba governar, vai caindo numa queda sem fim para mal de todos nós, Europeus, quer sejamos do Norte, do Sul ou do Leste.

E é deste castigo ao povo grego que os anões cá da terra se vangloriam, uns, como o nosso pm, dizendo que foi ele que, ao romper da aurora, propôs a solução humilhante, e outros, como quem falou hoje em nome do ps, afirmando que foi graças aos socialistas europeus que o acordo foi possível. Uns e outros congratulando-se com o quê? Com o fim do sonho europeu? Uns e outros, anões em bicos de pés, empurrando-se mutuamente para conseguir um lugar de figurantes nesta fábula autofágica em que a Europa se vai devorando a si própria. E, no entanto, apesar do metafórico arame farpado que vai rasgando a bandeira europeia, ousar dizer, e desejar, como o poeta Mário de Sá-Carneiro, "um pouco mais de azul" para a nossa Europa. Que não falte o golpe de asa!