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28 de julho de 2009

De que falamos quando falamos de avaliação


O conflito entre o Ministério da Educação e sindicatos de professores, sobretudo a Frenprof - que saltou ontem, de novo, para os noticiários televisivos, agora em vésperas de eleições para um novo governo - suscita-me a seguinte reflexão. O que continua, então, em jogo, neste caso? Um confronto entre aqueles que procuram impôr um modelo de avaliação - agora, «simplificado», dizem - que convoca um sofisticado sistema de medições, regras e tabelas visando a caução científica para fins mais menos ou inconfessados, mas que procuram denegar a sua dimensão ideológica e aqueles que, embora movidos por diferentes motivações, recusam expôr-se a um novo «dispositivo de vigilância» que mais não é do que o resultado da expansão do paradigma da medição nas sociedades modernas.

E o que é, então, denegado sob a roupagem pseudo-científica da avaliação? A emergência daquilo a que Giles Deleuze designou, apropropriando-se do conceito de William Burroughs, como «sociedade de controlo» e que Michel Foucault aponta como substituto das «sociedades disciplinares». E cuja formulação através da avaliação, mais não é, do ponto de vista técnico (objecto, método, resultados), do que uma consequência da expansão do paradigma da medição, corroborando o uso social da matemática nas sociedades modernas; e do ponto de vista do poder, um modo de funcionamento do Estado que institui uma maneira de governar que se exerce através da matematização da experiência.

O que é, então, a avaliação? E quem são os avaliadores? Conforme escreve o filósofo e psicanalista francês Jean-Claude Milner em Voulez-vous être évalué?, «a avaliação é essencialmente uma retórica. Os avaliadores são os sofistas de hoje». Sendo que a sofística da avaliação procura resolver sumariamente a questão dos critérios e da legitimidade dos próprios avaliadores, evitando, acima de tudo, que se coloque a incómoda questão: quem avalia os avaliadores, isto é, aqueles especialistas hiperactivos, fetichistas das medições, das classificações, dos escalonamentos, das comparações em cujos paradoxos inextrincáveis procuram enredar os avaliados?

21 de julho de 2009

No reino da estupidez




Uma das patologias que se manifestam nos governos em vias de se despenharem num qualquer precipício eleitoral é o discurso reiterado da estupidez. E o que é a estupidez, então? Asneira, disparate, parvoíce, entre outros, constituem alguns sinónimos a aplicar conforme as circunstâncias, o que mostra que a estupidez não se deixa apreender facilmente, que as suas metamorfoses fazem dela algo a que ninguém está seguro de escapar. Flaubert, Proust, Gombrowicz, Musil ou Thomas Bernhard, todos eles escritores que integram a minha biblioteca de quarto escuro, encontraram na ironia ou no humor - leio num número pretérito do Magazine Littéraire dedicado, precisamente, à bêtise - a forma mais adequada para a denúncia dos avanços dissimulados da bêtise, sem garantias, contudo, de conseguirem escapar-lhe. Até porque, às vezes, aquela revela-se, como observa Clément Rosset, em «segundo grau», isto é, aparentemente reflexiva e apanágio de homens com qualidades.

«A bêtise – escreve Clément Rosset, em Le réel et son double, Minuit, 1997 - é de natureza intervencionista: ela não procura decifrar, mas sim emitir repetidamente. Ela fala, fala, ela não pára nunca de acrescentar». Repetitivo e irredutível, fechado sobre si mesmo, o discurso da estupidez é opaco mas obstinado. Diz-se determinado, mas é, sobretudo, obsessivo. Manifestações do discurso da estupidez em «segundo grau», disfarçadas num discurso aparentemente reflexivo, mas afirmativo e, ao mesmo tempo, insensível à argumentação dos outros, na tentativa de controlar o espaço saturado das escolas, temo-las visto em abundância sempre que a ministra da Educação ou os seus secretários de Estado falam, falam, e não param de acrescentar ao seu discurso sobre a avaliação dos professores. Há dias,à pergunta de uma jornalista sobre o que fará se houver novas manifestações de professores pelo facto de não ser suspenso o «modelo simplex de avaliação», a ministra da Educação, sem reflectir, em primeiro grau, portanto, respondeu: «Haverá, haverá».

Assim, indiferentes ao torvelinho provocado pelo seu próprio discurso autista, vão estes sujeitos mais ou menos reflexivos, repetitivos e irredutíveis, empurrando o governo para o abismo, sem querer saber o que haverá do outro lado. Incapazes de controlar o seu discurso enquistado, porque isso seria contrário à própria natureza da estupidez, no seu estertor vão estes governantes imitando o idiota de Rilke na «Canção do Idiota» : «Não me incomodam. Deixam-me ir. / Dizem que não pode acontecer nada. /Ainda bem. / Não pode acontecer nada. Tudo chega e gira / sempre em torno do Espírito Santo, /em torno de determinado espírito (tu sabes) — / que bem» [Rainer Maria Rilke, in O Livro das Imagens, Relógio d´Água].