9 de outubro de 2009

Dar outras possibilidades ao mundo


Que significado tem a atribuição do Nobel da Paz a Obama, quando o seu programa de pacificação prometido ao mundo se encontra, ainda, por cumprir? Talvez, a reiteração da exigência de não falhar a ocasião de nos salvar da catástorphe, como diria Walter Benjamin). Por isso, porque continuo a acreditar na promessa anunciada com a eleição de Obama de perseguir outras possibilidades para o mundo e, talvez, a paz, congratulo-me com a sua inesperada nomeação e recupero um texto que escrevi no rescaldo da sua eleição.

No rescaldo da vitória de Barack Obama, ponho-me a pensar se, talvez, amanhã, tudo não será, outra vez, a mesma baixa política – que legitimou gente como Bush e Berlusconi ou continua a entronizar gente como Tony Blair, cada um, à sua maneira, aspirantes a Maquiavel -, e que este homem sem qualidades musilianas que veio do futuro para dar outras possibilidades ao mundo se deixe, também ele, contaminar pela infâmia dos interesses inconfessados, pela interiorização do cinismo e pela amoralidade e demais patologias da experiência política contemporânea que fizeram deslizar o mundo, não apenas para a crise económica profunda de que todos falam, mas, sobretudo, parece ter instalado uma crise sem precedentes da experiência, colocando a humanidade – na expressão de Zygmunt Bauman – «frente ao inafrontável», isto é, sem pontos de referência que nos tranquilizem e nos guiem pelas estradas perdidas que nós próprios vamos fazendo.

Mas hoje ainda não é amanhã, e o que vi na madrugada das eleições – e continuo a ver em vídeos no You Tube - é, entretanto, a imagem de um homem sereno e determinado a ajudar a encontrar o mapa que o mundo precisa para atravessar este deserto do mundo em que se tornou a modernidade fracassada, trazendo a uma parte da humanidade a esperança para enfrentar a crise – a económica e a existencial – e à outra parte da humanidade a esperança de vencer o terrível desafio da sobrevivência. Vi – vejo ainda – «um Presidente que tem uma cara em vez de um esgar e que usa a fala em lugar do balbucio», como escreveu José Manuel dos Santos, na sua crónica semanal na revista Actual/Expresso. Alguém, talvez, ainda, capaz de usar o mandato político que lhe foi oferecido nas urnas para desenterrar do pântano a ética para ali atirada pela iniquidade que transformou a América dos pobres num deserto sem mapa. Talvez – quem sabe? – capaz, ainda, de evitar a catástrofe de «as coisas continuarem como antes», tanto na América como no resto do mundo.

Por isso, recuso o pensamento mesquinho que me assaltou por instantes. E o desconforto nihilista de pensar que à arrebatadora ilusão deste triunfo que anuncia outras possibilidades para mundo, poderá suceder a rápida e melancólica desilusão da sua impotência diante da política de bastidores e de alianças de conveniência. Escolho, então, definitivamente, a audácia de pensar que, mesmo que as contradições do tempo por vir venham a arrefecer o fogo sereno das palavras que cobriram o mundo na noite da vitória, uma coisa que Obama deu à América e que, nos tempos mais próximos, ninguém poderá retirar, foi a de pôr o pensamento a pensar, isto é, de ter incitado, e excitado, o pensamento de que, talvez, possa haver, ainda, outras possibilidades para o mundo.

E a melhor prova disso, dessa rebelião contra a vertigem do vazio da política pós-moderna – mais ainda do que a sua oratória, simultaneamente, emotiva e serena, arrebatadora e racional, disciplinada e inteligente – foi a possibilidade consumada de um militante afro-americano, um advogado dos destituídos, um agitador social e político ter decidido ser Presidente da América para dar outras possibilidades ao mundo, fazendo do seu próprio itinerário vital, da sua vida transformada em narrativa, o seu principal trunfo.

Posto isto, o que poderá «um mundo de qualidades sem homem» (Jean-François Peyret) pedir ao homem sem qualidades musilianas que é Obama? Talvez não aquilo que nem ele nem ninguém jamais poderá devolver ao mundo, isto é, a remissão da nossa vida fragmentada, e muito menos qualquer «promesse de bonheur» (Stendhal). Talvez exigir-lhe, apenas, não falhar a ocasião de nos salvar da catástorphe (Walter Benjamin). E isso já será um programa absoluto contra a inabitabilidade do mundo e o desesperante nihilismo reinante.

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