6 de setembro de 2007

Da (dis)posição de Amos Oz


Regresso ainda à História de Amor e Trevas, de Amos Oz já aqui comentada, para me posicionar subjectivamente face à matéria narrada. E será possível qualquer outra patalogia de posição que não seja subjectiva? Pois se é da (dis)posição do mundo que decorre a nossa própria (dis)posição que, por natureza, só pode ser subjectiva. Ora também os livros têm disposições construídas a partir da matéria deixada à disposição dos seus autores. Muito particularmente este livro autobiográfico de Oz cuja matéria foi arrancada às pedras dispostas em Jerusalém.

Um livro «muito proustiano», portanto, carregado de «cheiros, sons, imagens que ajudaram a lembrar» - como disse Amos Oz numa entrevista ao Ípsilon, em 9 de Março passado -, arrancados às pedras de Jerusalém. Curiosamente, também a tradutora do livro para português, Lúcia Liba Mucznik - uma judia askenazita que vive há muito em Portugal - andou a «passear nas ruas com o nome dos profetas, naquela Jerusalém dos comerciantes», o que torna a versão portuguesa deste romance duplamente autobiográfica, pois autor e tradutora partilham o mesmo sentimento de continuidade face à residualidade dos lugares. Até porque a memória é sempre residual, acolhe-se nos lugares, nos vestígios que Oz involuntariamente vai exumando contra o esquecimento, como a «madalena de Proust»

Por isso este romance autobiográfico, uma «mémoire» como o classifica o próprio Oz, não pode ser neutro relativamente à matéria que narra. A sua insustentável objectividade decorre desde logo do facto do autor se encontrar marcado pela afecção da sua experiência posterior - o livro é escrito quase cinquenta anos depois dos acontecimentos centrais que narra -, o que lhe impôs naturalmente o exercício do juízo e da tomada de posição face ao vivido no passado. Ora é justamente essa subjectividade do discurso autobiográfico que confere autenticidade a uma História, narrada segundo a perspectiva da posição adoptada pelo autor. Sendo que a posição aqui é a de alguém que não se constitui como um narrador indiferente, mas como um protagonista empenhado em construir uma versão empenhada de um sionismo moderado. Diminuirá isto o livro? Claro que não. Antes oferece aos leitores a visão de um israelita que encarnando a velha utopia sionista dos askenazitas fundadores de Israel gostaria de viver numa terra habitada por dois povos, como prova o seu posicionamento no movimento Peace Now que ajudou a criar. Mas falhada por várias vezes a ocasião de paz, é a catástrofe que vai serpenteando nessa «terra prometida», agora sob a forma de uma muralha de ódio. Poderá este livro, que foi muito bem recebido em Israel, contribuir para quebrar a solidão irredutível dos dois povos? Até porque - e no livro isso percebe-se bem - os judeus jamais quererão regressar à sua condição de párias errantes num mundo que os repudiou e os palestinianos jamais abandonarão a sua terra mesmo que ela se vá transformando cada vez mais numa prisão de altos muros.

Esta a (dis)posição de Amos Oz [também comentada aqui e  aqui] que afecta a minha própria (dis)posição face à matéria narrada.

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