20 de fevereiro de 2008

Desolação



No post anterior dizia que se tratava de encontrar passagens nesta paisagem de desolação que aí está povoada de luzes ofuscantes que os trapezistas do marketing não se cansam de diariamente ir acendendo. Mas hoje sinto-me na obrigação de abandonar a metáfora, ainda que apenas pelo tempo de escrita deste post, para repetir a mesma expressão de paisagem de desolação, só que, desta vez, atribuindo-lhe o mais sebaldiano dos sentidos. Porque outro sentido não seria possível face às imagens de habitações escancaradas diante do olhar de espectadores obscenos, móveis humildes amontoados sobre um espelho de lama, intransponíveis sedimentos de esperança perdida sob o demónio cinzento da desgraça. Paisagem de infelicidade, afinal, que vem perturbar, agora, a retórica antes aqui deixada a propósito das novas patologias do nihilismo.

É que as imagens que, ontem e hoje, as televisões vão passando não são de divertimento, mas de estremecimento. É que, às vezes, as televisões também são capazes de dar conta da «consternação do mundo». E a consternação é, ainda, a mesma de sempre. Todos seguindo «o mesmo caminho de antemão traçado pela nossa origem e pelas nossas aspirações», diria o passeante melancólico W. G. Sebald, «impotente para afastar os fantasmas da repetição», se mergulhasse agora os passos naquela torrente adormecida de lama povoada de reminiscências de outras desolações. E nessa procissão entre ruínas húmidas, a dolorosa coincidência daquele jovem casal que tudo perdeu num torvelinho de lama e que já não reivindica felicidade, apenas a esperança perdida na vertigem do vazio. Resta-nos, então, encontrar passagens, fendas, na continuidade do mundo e procurar aí, depois, um sentido de possibilidade. Até porque, como disse Walter Benjamin «é apenas pelos sem esperança, os desesperados, que a esperança nos foi dada».

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