17 de abril de 2007

Contra o fanatismo

Quando deixou de odiar os pais escreveu Uma história de amor e de trevas [ASA, 2007] que sendo um livro onde resgata a memória da sua família é, sobretudo, um espelho onde todos os judeus da Europa se podem rever. Um livro sobre a criação de Israel, erguida sobre uma terra queimada, cheia de pedras, primeiro as da intifada judaica contra os britânicos, depois, as da intifada palestiniana contra os judeus ocupantes. Um livro de reconstrução da memória pessoal de Amos Oz que é, simultaneamente, um livro da redenção de um combatente da terra prometida: Eu sonhava em segredo que eles me levariam um dia com eles e me transformariam em nação combatente. Que a minha vida se tornaria um poema novo, uma vida pura, recta e simples como um copo de água frio num dia de calor tórrido. Utopia falhada de uma nação cuspida pela velha Europa, que teria sido, talvez, a verdadeira terra prometida e proibida, o lugar nostálgico dos campanários e das velhas praças empedradas, dos eléctricos, das pontes e das torres das catedrais, das aldeias isoladas, das fontes termais, das florestas e dos prados cobertos de neve. A nostalgia de lugares longínquos, como se fossem personagens de Tchekov: Em algum lugar para para lá do horizonte estava a amada cidade de Moscovo, Moscovo... Mas essa Moscovo - que podia ser Berlim, Viena, Paris ou Varsóvia, ou qualquer outra -, "Moscovo para lá do horizonte", não amava aqueles judeus, lembrará Oz muitos anos depois.

E em Israel, em vez dos campanários, das fontes e dos prados da memória, apenas uma terra incendiada por ódios, guerras, atentados, retaliações e um fanatismo sem limites: uma desordem mental muito arreigada... uma espécie  de "síndrome de Jerusalém": uma pessoa chega, inala o ar puro e maravilhoso da montanha e, de repente, inflama-se e pega fogo a uma mesquita, a uma sinagoga ou a uma igreja. O fanatismo sempre a incendiar os templos dos homens em nome de Deus, atirando-os uns contra os outros, apenas porque são diferentes ou querem ambos a mesma terra. Sim, porque é a questão dolorosa da posse da terra que explica o conflito israelo-palestiniano. Como sempre aconteceu no passado. De quem é a terra?, eis a pergunta sem resposta que Oz coloca, sabendo, no entanto, que a terra pode ser trocada por paz, mesmo que isso signifique um compromisso doloroso.

O futuro não é seguro e o passado está cheio de cadáveres, afirmou Oz numa entrevista recente ao Público, denunciando o devir sem futuro de Israel, mas ao tempo, o lado mais sombrio da modernidade, com os seus totalitarismos, chauvinismos, fundamentalismos religiosos e desastes ambientais. Há que denunciar não só a ocupação da Palestina que enfraquece Israel, mas também todo o fanatismo que é mais velho que o Islão, do que o Cristianismo, do que o Judaísmo. Esse o compromisso de Oz face ao tempo, ao sofrimento, ao preconceito, à tragédia, à perda e à derrota. (...) Comprometo-me, escrevo artigos, escrevo histórias e nunca misturo uma coisa com a outra, mesmo haja nos romances uma mensagem metapolítica.

Não, nem as mulheres nem os árabes têm cauda e cornos, como acreditava, Profi (que poderia ser Oz), o rapaz do romance Uma pantera na cave, eis o que se pode ler, ainda, no pequeno livro que hoje o Público oferece aos seus leitores. Originalmente publicado sob o título Help us to divorce, Contra o fanatismo é um relâmpago que ilumina as trevas onde mergulha o conflito israelo-palestianiano. Um apelo à paz feito por alguém que confessa que, também ele, quando muito jovem, era um pequeno fanático de cérebro lavado, que viu, depois, derramar-se num dia de calor tórrido o copo de água fria que poderia matar a sede aos dois povos. Para matar a sede de paz daqueles que verdadeiramente a procuram nos dois lados, talvez seja agora preciso encher de água dois copos diferentes, um compromisso doloroso, um divórcio que separe quem não consegue partilhar o mesmo copo de água fria num dia de calor tórrido, mas que uma vez consumado divórcio e a partilha, pensa Oz, Israelitas e Palestinianos poderão, então, saltarem por cima da terra repartida para beberem juntos dois copos de água fria.

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