8 de setembro de 2010

Une saison en enfer



Há um verso de William Blake que diz que "if the doors of perception were cleansed, every thing would appear to man as it is, infinite". Talvez mais do que a inspiração para o nome da banda, os Doors tenham ido buscar a Blake a energia para atravessarem as portas para o território negro dos discos que viriam a criar, celebrando a loucura e o caos. "Negar as trevas da alma é só ter metade de um ser humano… e nós tínhamos os dois lados". Os Doors eram um número de equilíbrio entre a luz e as trevas, diz o teclista Ray Manzarek.

Tudo começara quatro anos antes, conforme conta Ray Manzarek: "Foi em casa de um amigo, em Venice Beach, que nos encontrámos com o Robby pela primeira vez. Começámos a tocar o Moonlight Drive e o Robby disse: «Tenho uma coisa que pode encaixar bem aqui. Abriu um compartimento no estojo da guitarra, onde se guardam as cordas, as palhetas e a droga, e tira de lá um gargalo de garrafa. Enfiou-o no dedo e tocou com o vidro contra as cordas de aço e o Morrison e eu arrepiámo-nos. Era um dos sons mais arrepiantes e fantasmagóricos que alguma vez ouvi. O Jim disse: É esse o nosso som, meu! Quero isso em todas as canções". Isso e Blake, Kerouack, Ginsberg, Nietsche, Mallarmée e, sobretudo, Rimbaud que Morrison lia obsessivamente: "Caro Wallace Fowlie [à época, professor de literatura francesa, na Duke Universiy e, depois, estudioso da poesia de Morrison], simplesmente queria agradecer-lhe pela tradução de Rimbaud. Eu precisava porque não leio francês tão facilmente (…) Sou cantor de rock e seu livro acompanha-me nas tournées. Jim Morrison”.

Durante os quatro anos que separaram a edição do seu primeiro album (Janeiro de1967) da de L.A. Woman, os Doors foram uma das bandas rock mais populares do mundo. E a sua ascensão não pode ser dissociada desse período turbulento de manifestações pacifistas, de consumo de drogas e todas as aspirações de contra-cultura que a sua música encarnaria fielmente. Mas esta violência reflectir-se-ia também no percurso da banda e, mais particularmente, na vida caótica do seu leader mítico. "O poeta torna-se vidente através de um longo desregramento de todos os sentidos”, escrevera Rimbaud um século antes, mas poderia ter sido escrito por um Morrison fascinado pelo radicalismo e pelo exílio em África do enfant terrible do nomadismo da alma. Nesses quatro anos, enquanto a popularidade da banda crescia, Morrison iniciaria a sua saison en enfer e começaria a desintegrar-se, a roçar o abismo, até cair com um fulminante ataque de coração, enquanto tomava banho, num hotel em Paris, em 1971. Talvez Paris tenha sido a sua Abissínia, um porto distante, a ante-câmara para um salto que o faria sair da obra e cair na vida. Como Rimbaud. Não teve tempo.

2 comentários:

  1. e há também um livro "doors of perception" do Aldous Huxley que gostei muito. :) bom post

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  2. ..."doors of perception", talvez algum um dia cruze o umbral de alguma livraria onde se encontra o livro sugerido.

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