15 de março de 2011

Sobre a inocência do agir


No passado sábado, enquanto ia assistindo, em directo, através do canal público de televisão (RTPn) que - para usar uma imagem de Michel Leiris, em Vida de Homem - teve a capacidade rara de apanhar o dia de forma expedita, não se ficando pela sua plasticidade mediática, recorri a um verso de Goethe, que partilhei no facebook, que diante daquela «inocência do agir» só poderia ser solidário com o movimento de protesto. Na verdade, aquilo que me foi dado observar contrariou a hipótese de «sismografia sociológica que tem nos media a sua estação meteorológica», conforme formulação de António Guerreiro que adoptei em post anterior sobre a «argumentação geracional».

Diante daquela corrente de subjectividades - composta por gente precária ou apenas solidária com os objectivos do protesto, jovens e menos jovens, com maior ou menor escolaridade, vestidos ao estilo casual-chic ou mais humildemente, com ou sem partido, com ou sem conta nas redes sociais - que ia descendo a avenida soltando publicamente a sua revolta, levados ali, não por um sindicato ou por um partido político, mas tão só na base de uma convocatória aparentemente flutuante e de um manifesto simples, declinado, depois, por múltiplas opiniões e reivindicações expressas em palavras de ordem nem sempre concordantes, a única posição que me seria exigido adoptar seria, como foi, a do contemplador sensível diante daquela argumentação intergeracional.

Contudo, a pergunta que se impõe, agora, passada a urgência daquele dia, é saber que fazer com aquele movimento fundado em bases «românticas». Dispensar os políticos foi uma das ideias que pareceu ter mais adesão, mas ninguém acredita que a ideia bastará como estratégia de organização social. E, por muito que se clame contra a precariedade, todos sabemos que ela não irá acabar de hoje para amanhã. Depois, ninguém sabe se o que a maior parte daquela gente reivindica é uma política possível ou se apenas persegue uma ilusão. Finalmente, ninguém sabe se o descontentamento com a degradação do estado social é um sentimento mobilizador ou, apenas, uma irrequietude momentânea que se dissolver-se no ar no meio do torvelinho de ideias próximas do zero que andam por aí a agitar-se.

Para que um movimento que começou flutuante - e isso poderia ser a sua força - não se dissolva no ar, seja por falta de ideias, seja porque os políticos têm horror ao vazio e, em breve, irão tentar preenchê-lo pondo cada um no seu lugar», seja, ainda, porque outros procurarão incitar (e excitar) o descontentamento a favor de inconfessados interesses, importa, como nos disse Walter Benjamin, encontrar numa nova maneira de «dizer», isto é, de «retraçar» o já politicamente traçado propondo uma nova «arte de fazer» política.

Nas «condições de política» actuais, em que os partidos têm vindo a perder parte do papel hegemónico que detinham no processo social, importa, também, que a esquerda reconheça a emergência de novos actores e formas de organização social e cívica mais fluida e descentralizada, «retraçando», também eles, os seus modos de «dizer» e «fazer» política, de forma a renovar a sua legitimidade na esfera pública contemporânea.

Direi, apenas, para concluir, citando Ernst Bloch, que se a «história» que se contou, no passado sábado, «não significa nada, pertence apenas àquele que a conta, [mas] se significa alguma coisa, então pertence a todos».

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