25 de outubro de 2009

António Lobo Antunes, o escrevente


A renúncia da palavra de «um sector importante da literatura ocidental moderna», eis o que rastreia Enrique Vila-Matas em Bartleby e Companhia [Assírio e Alvim, 2001], uma espécie de catálogo de instantes fulgurantes dessa «pulsão negativa ou atracção pelo nada que faz com que certos criadores [...] renunciem à escrita [...] e fiquem, um dia, literalmente paralizados para sempre».

Ora aí está algo que não acontecerá nunca com António Lobo Antunes que renunciou à medicina para ficar com todo o tempo para a escrita. E que declara que «escrever é alegria, mas também tortura». [...] É a razão da minha vida». Uma vida - ou uma obra - que ainda não foi galardoada com o Nobel, mas que o foi com outros prémios: «Quantos prémios ganhei importantes? Mais de 20, fora os que recusei» - confessa a Alexandra Lucas Coelho, no ípsilon da última 6ª feira -, o que só é possível com um escritor radicalmente anti-bartlebyano! Tanto que quando, recentemente, na Festa Literária Internacionl de Paraty, o questionaram sobre se alguma vez renunciaria à escrita, recordou as palavras provocatórias de João Ubaldo Ribeiro: «Uma vez perguntaram-lhe se tinha parado de escrever. Respondeu que não, que o seu pseudónimo era Lobo Antunes».

Ao contrário do escrevente Bartleby - aquele empregado de escritório de um conto de Herman Melville -, à pergunta sobre se não quereria parar de escrever, o escrevente Lobo Antunes, invariavelmente, responderia: «preferia fazê-lo», só ainda não sei se o irei conseguir. Até agora, sempre o tem conseguido. A prová-lo até à exaustão, mais de duas dezenas de títulos, ou de capítulos, da sua incessante busca da perfeição, de que este Que Cavalos São Aqueles que Fazem Sombra no Mar? que acaba de ser editado é, para António Lobo Antunes, o melhor de todos, como o próprio declara: »Eu acho que nunca li um livro tão bom».


[nota de rodapé: a expressão o escrevente não é aqui utilizada com qualquer intenção depreciativa da escrita de ALA, antes como modesto artifício retórico para classificar a prolixidade do escritor]

[ilustração alto, de André Carrilho (C), para The New Yorker]

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