12 de outubro de 2009

Bolañomanias



Anda por aí uma euforia à volta de Roberto Bolaño - uma espécie de hype a que em Espanha e nos EUA já deram o nome de bolañomania - que me parece ser mais incitada, e excitada (se bem que, é justo dizê-lo, editorialmente corajosa), por uma inusitada campanha de marketing para promover um escritor que, como descreveu o seu amigo e escritor Rodrigo Fresán, escrevia caoticamente, «sem rede e sem travões, [deitando] tudo cá para fora». Por isso, vou também desconfiando da verdadeira natureza da receptividade de Bolaño que, à partida, não convidaria a tamanho deslumbramento por não corresponder aos cânones. Mas desconfio, também, daqueles que, cinicamente, sem terem, ainda, lido 2006 (ou qualquer outro livro do escritor chileno) ou, o que será pior, sem pensarem alguma vez vir a lê-lo, se colocam do contra.

Mas, e a bolañomania? Embora incitada, e excitada, por uma causa justa, a de nos pôr a ler Bolaño, não será ela , paradoxal e visceralmente, anti-bolañiana? Quer me parecer que Bolãno, que nunca quis a unanimidade dos juízos críticos sobre a sua obra, nem a admiração massiva dos leitores, nem frequentou os salões e confrarias dos seus pares, certamente desdenharia de todo o estrépito mediático à volta do lançamento - que até teve direito a uma festa, pelo que me contam, pouco bolañiana, que meteu escritores, críticos, actrizes e margueritas - do seu derradeiro romance, que mais do que honrar o desonram, como diria Flaubert. Mas confesso, também eu lá teria estado se não fosse um leitor sem qualidades e periférico, contribuindo, então, também, para para a flaubertiana desonra do escritor chileno. É que, para Bolaño, fama e literatura eram «inimigas irreconciliáveis», como escreveu em 2666, o tremendo romance póstumo que, ironicamente, o transformaria num escritor da moda, visto por alguns como a versão latino-americana de Thomas Pynchon ou como uma espécie de um Paul Auster com cafeína.

Bolãno, que se julgava um solitário intrépido e um detective selvagem, preferia deambular por becos obscuros, cruzar praças desertas noite adentro, refugiar-se em casas vazias, cavar trincheiras debaixo de chuva, seguir através de auto-estradas que não conduzem a lado nenhum, atravessar desertos sob um sol escaldante. E sempre que era apanhado no turbilhão da fama, escrevia, então, um qualquer texto mordaz, onde fustigava, às vezes, cruel e injustamente, um qualquer seu par consagrado e, outras vezes, os seus próprios amigos, a fim de, achava ele, virar todos contra si e preservar, assim, a rebeldia. Por ironia do destino – ou por vontade dos «homens de negócios que editam livros, [dos] trapezistas do marketing, [dos] licenciados em economia», como escreve em O Mal de Montano outro seu amigo e escritor, Enrique Vila-Matas, Bolaño - tal como Kafka, o mais asocial dos escritores, que se tornou um ícone da moda em Praga – foi apanhado pela máquina editorial e a sua efígie anda por aí, colada ao peito, em pins promocionais, como se fosse um novo Harry Potter ou o último Dan Brown ou, o que será, talvez, mais apropriado em termos de uma mistificação editorialmente correcta, um Jim Morrison da literatura, a quem já vi comparado não me recordo onde.

Pessoalmente, prefiro colocá-lo na minha biblioteca do quarto escuro, ao lado de outros escritores sem qualidades, como Cortázar e Borges - que Bolaño convidava a reler uma e outra vez -, ou como Walser, Kafka, Musil, Joseph Roth e Sebald, e outros, todos eles escritores que «viverem errando / na penumbra dos bosques / com a novela perigosa». Bolaño que também viveu errando na penumbra das cidades e que cultivou o romance perigoso, se ainda cá estivesse, observaria de longe a passagem desta fanfarra mediática à volta do seu nome, desdenharia das margueritas - antes beberia um mezcal - e, como um explorador de abismos, partiria, imperturbável e errante, por uma qualquer auto-estrada escura que não conduzisse a lado nenhum.

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