22 de janeiro de 2011

Pôr o pensamento o pensar



«Nesta grande época» - como o polemista vienense Karl Kraus se referiu à sua num texto profético por si mesmo lido a 19 de Novembro de 1914 em que exprime a tentação do silêncio contra a degradação da linguagem transformada e prostituída ao serviço de inconfessados interesses mercantis - há um excesso de «fraseologia» que nos é proposta como «opinião». E essa «opinião», à força de ser repetida até à exaustão pelos homens da palavra fácil nos mais diversos media, fez-nos esquecer que o seu significado original correspondia a algo muito próximo daquilo a que os gregos chamavam doxa, e que se opõe, portanto, ao pensamento. Neste sentido, os debates, as mesas-redondas, os frente-a-frente que «nesta grande época» de crise (e por estes dias de campanha eleitoral) nos são propostos, raramente expressam a heterodoxia, pois a ideia de uma opinião heterodoxa é em si mesma uma contradição semântica, já que, apenas o pensamento, e nunca a retórica servil e conforme à doxa do momento, pode ser heterodoxo.

Pode, então, o pensamento voltar a pensar? E o que é o pensamento? Pensar é uma forma de agudização, a forma mais intensa de discernimento, isto é de expressar um sentimento. Por isso, o pensamento e a linguagem que o expressa, embora objectivos, nunca são emocionalmente neutros. Já Kant dizia que quando se entregava a uma tarefa fazia-o com todo o seu calor. E é isso que nos distingue dos répteis que são frios. Assim, pensar, hoje, com calor, é discernir outras possibilidades para o mundo. Isto é, encontrar cesuras, fendas no pensamento totalitário que rege quer o politicamente correcto quer os fundamentalismos de todo o tipo que marcam a experiência contemporânea, aprisionando um pensamento que parece já não ser capaz de pensar emocionalmente o mundo, incapaz de retraçar as figuras que a história vai arquivando.

Caídos na imanência dos dias que correm acomodamo-nos aos lugares fixos, somos cada vez mais espectadores indiferentes, contempladores insensíveis de um mundo sem remissão, de onde a política, contra todas as aparências, parece ter desertado. O primado da economia sobre tudo o resto é uma consequência do niilismo moderno que aprisionou os homens no labirinto do mercado. O torvelinho da técnica, irmã da economia, tudo arrasta no seu vórtice, originando novas patologias de posição, desenraizadas, transitórias, etéreas. A política há muito que deixou de ser um caminho para a paz e a plenitude para se transformar numa estratégia guerreira de ascensão ao poder. O ambiente enlouqueceu perante a obscena indiferença do mundo. «Que fazer quando tudo arde?», como pergunta António Lobo Antunes num romance homónimo. Talvez «pôr o pensamento a pensar», desenhando mapas e contra mapas do porvir do mundo. Talvez, sermos heterodoxos.

1 comentário:

  1. Removida por lapso, não sei se significativo...
    Estava a dizer que gosto de me desviar de caminhos muito gastos e atravessar este lugar que põe, justamente, o pensamento a pensar (e alguma a sentir dentro disso).
    Um abraço.

    José Manuel T. S.

    http://subito-jmts.blogspot.com/

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