20 de janeiro de 2011

Topografias


Escreve W. G. Sebald no breve ensaio «O mistério da pele castanho-rubra» (in Campo Santo) que dedica a Bruce Chatwin que os seus livros são difíceis de classificar. «Histórias de aventuras ligadas às nossas primeiras leituras infantis, recolhas de factos reais, livros de sonhos, romances folclóricos, exemplos de exotismo apaixonado, penitências puritanas e arrebatadoras visões barrocas, negação de si e confissões: são todas essas coisas juntas.»

Não é, por isso, de estranhar que o caminhante solitário Sebald vá no encalço do viajante incansável Chatwin seguindo as suas pisadas escritas nos cinco livros que publicou [Os gémeos de Black Hill, Anatomia da errância, O que faço eu aqui, Na Patagónia e Canto nómada, editados em Portugal pela Quetzal] e que numa curva dessa abordagem chatwiniana se detenha a comentar «a sua mania de respigar e coleccionar transformando depois os fragmentos achados em significantes mementos carregados de mistério», evocativos de territórios longínquos que o nosso sedentarismo nos impede de alcançar mas em cujos mapas imaginários nos adentramos guiados pela sua prosa nómada.

É que, tal como os livros de Sebald, também os livros de Chatwin são difíceis de classificar, oscilando entre a reportagem, o ensaio, o diário e as memórias que constrói e desconstrói a partir de achados quotidianos sedimentados em camadas de esquecimento que vai recolhendo nas bermas dos caminhos da sua peregrinação pelo mundo. E, tal como Sebald, também Chatwin era um agrimensor de paisagens, um taquígrafo da errância, um imitador de vozes, um virtuoso das anotações. E ambos partilhavam a avidez fetichista de respigar e coleccionar sedimentos do mundo à sua volta: Sebald, as desvanecidas e enigmáticas fotografias que, depois, incorporava nos seus textos; Chatwin, os achados trazidos do fim do mundo e carregados de histórias apócrifas que, depois, levam a nossa imaginação para lá do sol posto. Sebald, um metafísico da história caminhando à beira do precipício contra o esquecimento. Chatwin, um metafísico da sete paragens do mundo que escolheu a viagem como respiração. Cada um à sua maneira, topógrafos da sobrevivência.

1 comentário:

  1. A dificuldade de classificação é proporcional à facilidade de interiorização, ao acompanhamento que fazemos daquela figura que sabemos real, mas que se nos apresenta tão imaginária. As botas de Chatwin são planetárias, ou seja, transportam pós dos quatro cantos do mundo, pó que se infiltra, que fica, que permanece.
    É impossível esquecer o momento em que perguntam ao Vice Rei de Ajudá porque razão mandou matar alguém e ele responde que é porque ali não acontece nada…

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