6 de janeiro de 2014

A arca de Joseph Joubert


Poderá um nome de um escritor sem livro continuar a cintilar muitos anos após a sua morte, como uma espécie de Bartleby que renunciou não à escrita mas à publicação de um livro que ele não poderia nunca escrever sem ter antes encontrado a nascente de todos os livros? 

«Atormentado pela maldita ambição de colocar um livro inteiro numa página, uma página inteira numa frase e essa frase numa palavra», esse escritor foi, seguramente, Joseph Joubert (1754-1824), escritor sem livro, arquétipo de todos os autores dos livros por vir, a contrapelo com aqueles aqueles que, hoje, ousam publicar sem nunca terem escrito um livro, uma página, uma frase, mas que, ainda assim, encontram sempre uma editora da moda onde depositam a vaidade e a verborreia «literária» perante a histeria tranquila do novo povo do códice [de Da Vinci].  

Joubert escrevia muito, apesar daquela espécie de maldição. Anotações em pequenos cadernos, em papéis soltos, fragmentos de um livro por vir a cuja preparação dedicou toda a sua vida. Mas seria um projecto nunca cumprido, porque - disse - não reuniu as condições para escrever esse livro ideal. Um dia, Chateaubriand perguntou-lhe "para quando esse livro?": «Ainda não o posso fazer - respondeu -, ainda não encontrei a fonte que procuro. Mas se encontrar essa fonte, ainda terei mais motivos para não escrever esse livro que gostarias que eu escrevesse». Parece que Joubert nunca encontrou essa da fonte da escrita que lhe permitiria escrever a «belíssima obra» que segundo os seus amigos lhe estava destinada e que, na sua busca, se tornaria incapaz de perseguir em contraponto com a vulgaridade literária que outros alimentavam, sacrificando o seu livro para procurar a fonte secreta donde brotam todos os livros por escrever. 

«Foi, por isso - escreveu  Blanchot -, um dos primeiros escritores inteiramente modernos, preferindo o centro à esfera, sacrificando os resultados à descoberta das suas condições e escrevendo, não para acrescentar um livro a outro livro, mas mas se tornar senhor do ponto de onde lhe parecia que saíam todos os livros e que, uma vez encontrado, o dispensaria de os escrever». 

E, contudo, ainda que sem a pretensão de publicar, Joubert escrevia ao sabor do que lhe caía dos dias: pensamentos dispersos, anotações de um caminhar seguro em direcção a um grau zero da literatura, «fora das coisas civis e na pura região da Arte», como se fosse já, como atesta Blanchot, «um autor sem livro, um escritor sem escrito». 

Joubert nunca encontrou o espaço adequado para as suas ideias: «As minhas ideias! Custa-me construir a casa onde alojá-las». Outros, porém, encarregar-se-iam disso depois da sua morte. Chateaubriand que publicaria, numa edição ainda privada, reservada aos amigos, os seus «papiers de la malle», com o título Recueil des Pensées de M. Joubert, mais tarde revisto e aumentado por um sobrinho de Joubert e reeditado como Pensées, Essais, Maximes et Correspondances de J. Joubert. Também Paul Auster, responsável pela versão inglesa, com o título The Notebooks of Joseph Joubert.

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